By Felippe Hermes · On 05/08/2015
Poucos estados se comparam ao Rio Grande do Sul quando o assunto é participação política na história nacional. Em toda a história brasileira, foram 6 os presidentes gaúchos, que comandaram o país em um terço do tempo que se passou desde a queda da monarquia.
Três deles – Médici, Costa e Silva e Getúlio Vargas – comandaram ditaduras e ostentam a nada honrosa marca de maiores assassinos de opositores políticos da história republicana.
Ernesto Geisel entrou para a história por duas criações controversas: a abertura política após o regime militar, que de tão lenta demorou mais de 10 anos, e uma crise econômica que deu origem a duas décadas de inflação descontrolada.
Até Dilma Rousseff, que fez carreira política no Rio Grande do Sul, entra na história por sua “Nova Matriz Econômica”, muito semelhante às políticas implementadas pelo conterrâneo Geisel, e que – como era de se esperar – acabou em resultados parecidos: crescimento baixo, inflação disparando e apenas 7,7% de aprovação popular na pesquisa mais recente (feita em julho de 2015).
Como se não bastasse, o Rio Grande do Sul também é conhecido por ter o movimento separatista mais forte do Brasil, reforçando a imagem de que o gaúcho “renega” a cultura brasileira e possui uma identidade distinta. Fora das peculiaridades locais, da cultura e tradição, há um aspecto nacional entretanto que une gaúchos a todos os brasileiros: instituições pautadas pela defesa inveterada do Estado, pelo extrativismo e pelo corporativismo na economia.
Neste aspecto tão tipicamente brasileiro, definido pelo best-seller Bruno Garschagen como “amar o Estado enquanto se odeia os políticos”, o Rio Grande se destaca com êxito: trata-se do único lugar do país onde nenhum governador conseguiu a reeleição.
A cultura política dos gaúchos ainda é marcada pela figura de Leonel Brizola, que governou o estado entre 1959 e 1963, pouco antes do estado começar a enfrentar um problema que seria constante durante 4 décadas: o descontrole nas contas públicas. Nos últimos 43 anos, o governo gaúcho gastou menos do que arrecadou em apenas 7.
Quem leu o noticiário dos últimos dias sabe que a conta da farra chegou em 2015: o atual governador, no cargo há apenas 7 meses, teve que parcelar o salário dos funcionários públicos e a crise no estado é ainda pior que a que atinge todo o país. Agora a instabilidade é a regra. Mas como um dos estados mais ricos do país chegou a esta situação?
A história é didática e traz alerta a todos os brasileiros.
O Rio Grande do Sul quebrou
O RS tem dois bancos estatais (o maior deles é o Banrisul, fundado por Getulio Vargas em 1928, quando era governador) e durante muito tempo, os governadores utilizaram “seus” bancos para financiar os gastos públicos e mascarar déficits por meio de inflação e criação de moeda.
A prática pode soar estranha aos brasileiros de hoje, mas era bastante comum antes do Plano Real e ajuda a explicar o caos inflacionário dos anos 70 a 90. Por décadas, as contas foram maquiadas pelos bancos estaduais, e o uso dela no Rio Grande do Sul transformou o estado no mais endividado do país.
Durante as reformas econômicas dos anos 90, o Governo Federal tentou resolver a situação. No início do processo que culminaria na criação do que se chamou de “tripé macroeconômico”, o então presidente FHC renegociou as dívidas estaduais, substituindo diversos títulos públicos “podres” por uma dívida única com o governo federal. Em troca, os estados deveriam comprometer 13% de sua arrecadação para pagar a dívida durante 30 anos.
Depois da renegociação, seria esperado que os governadores controlassem a causa central do problema: os gastos desenfreados. Mas o que se viu no Rio Grande do Sul foi o oposto. O governo estadual tentou enfrentar o déficit público por diversas vias: aumento de impostos, combate a sonegação, corte de investimentos, congelamento de novas contratações e, claro, mais endividamento! Mas sem cortar o mal pela raiz, a conta obviamente chegaria, e chegou em 2015.
Para se ter uma ideia da situação enfrentada pelo atual governo, o déficit deste ano está estimado em 13% do orçamento – ou seja, em valores nominais, o governo vai gastar R$5,4 bilhões a mais do que arrecada. Boa parte pode ser explicada por uma característica peculiar do governo gaúcho: trata-se do único governo estadual que gasta mais com a herança de gestões passadas do que com políticas que visam o presente ou o futuro. Os gastos com previdência chegam a 29% do orçamento, as pensões estão em 7% e a dívida em 14,7%.
A previdência pública estadual é de longe o quadro mais crítico e o que levanta maior alerta para o Brasil. O número de aposentados e pensionistas é maior do que o de funcionários na ativa. O resultado pode ser resumido nesta estatística assustadora: o déficit da previdência gaúcha, sozinho, custa mais do que a soma de todos os investimentos em educação, saúde, segurança, infraestrutura, esporte, lazer e cultura.
ECONOMIA
O governo gaúcho quebrou e isso deveria ensinar muito a todo o Brasil
By Felippe Hermes · On 05/08/2015
Poucos estados se comparam ao Rio Grande do Sul quando o assunto é participação política na história nacional. Em toda a história brasileira, foram 6 os presidentes gaúchos, que comandaram o país em um terço do tempo que se passou desde a queda da monarquia.
Três deles – Médici, Costa e Silva e Getúlio Vargas – comandaram ditaduras e ostentam a nada honrosa marca de maiores assassinos de opositores políticos da história republicana.
Ernesto Geisel entrou para a história por duas criações controversas: a abertura política após o regime militar, que de tão lenta demorou mais de 10 anos, e uma crise econômica que deu origem a duas décadas de inflação descontrolada.
Até Dilma Rousseff, que fez carreira política no Rio Grande do Sul, entra na história por sua “Nova Matriz Econômica”, muito semelhante às políticas implementadas pelo conterrâneo Geisel, e que – como era de se esperar – acabou em resultados parecidos: crescimento baixo, inflação disparando e apenas 7,7% de aprovação popular na pesquisa mais recente (feita em julho de 2015).
Como se não bastasse, o Rio Grande do Sul também é conhecido por ter o movimento separatista mais forte do Brasil, reforçando a imagem de que o gaúcho “renega” a cultura brasileira e possui uma identidade distinta. Fora das peculiaridades locais, da cultura e tradição, há um aspecto nacional entretanto que une gaúchos a todos os brasileiros: instituições pautadas pela defesa inveterada do Estado, pelo extrativismo e pelo corporativismo na economia.
Neste aspecto tão tipicamente brasileiro, definido pelo best-seller Bruno Garschagen como “amar o Estado enquanto se odeia os políticos”, o Rio Grande se destaca com êxito: trata-se do único lugar do país onde nenhum governador conseguiu a reeleição.
A cultura política dos gaúchos ainda é marcada pela figura de Leonel Brizola, que governou o estado entre 1959 e 1963, pouco antes do estado começar a enfrentar um problema que seria constante durante 4 décadas: o descontrole nas contas públicas. Nos últimos 43 anos, o governo gaúcho gastou menos do que arrecadou em apenas 7.
Quem leu o noticiário dos últimos dias sabe que a conta da farra chegou em 2015: o atual governador, no cargo há apenas 7 meses, teve que parcelar o salário dos funcionários públicos e a crise no estado é ainda pior que a que atinge todo o país. Agora a instabilidade é a regra. Mas como um dos estados mais ricos do país chegou a esta situação?
A história é didática e traz alerta a todos os brasileiros.
O Rio Grande do Sul quebrou
O RS tem dois bancos estatais (o maior deles é o Banrisul, fundado por Getulio Vargas em 1928, quando era governador) e durante muito tempo, os governadores utilizaram “seus” bancos para financiar os gastos públicos e mascarar déficits por meio de inflação e criação de moeda.
A prática pode soar estranha aos brasileiros de hoje, mas era bastante comum antes do Plano Real e ajuda a explicar o caos inflacionário dos anos 70 a 90. Por décadas, as contas foram maquiadas pelos bancos estaduais, e o uso dela no Rio Grande do Sul transformou o estado no mais endividado do país.
Durante as reformas econômicas dos anos 90, o Governo Federal tentou resolver a situação. No início do processo que culminaria na criação do que se chamou de “tripé macroeconômico”, o então presidente FHC renegociou as dívidas estaduais, substituindo diversos títulos públicos “podres” por uma dívida única com o governo federal. Em troca, os estados deveriam comprometer 13% de sua arrecadação para pagar a dívida durante 30 anos.
Depois da renegociação, seria esperado que os governadores controlassem a causa central do problema: os gastos desenfreados. Mas o que se viu no Rio Grande do Sul foi o oposto. O governo estadual tentou enfrentar o déficit público por diversas vias: aumento de impostos, combate a sonegação, corte de investimentos, congelamento de novas contratações e, claro, mais endividamento! Mas sem cortar o mal pela raiz, a conta obviamente chegaria, e chegou em 2015.
Para se ter uma ideia da situação enfrentada pelo atual governo, o déficit deste ano está estimado em 13% do orçamento – ou seja, em valores nominais, o governo vai gastar R$5,4 bilhões a mais do que arrecada. Boa parte pode ser explicada por uma característica peculiar do governo gaúcho: trata-se do único governo estadual que gasta mais com a herança de gestões passadas do que com políticas que visam o presente ou o futuro. Os gastos com previdência chegam a 29% do orçamento, as pensões estão em 7% e a dívida em 14,7%.
A previdência pública estadual é de longe o quadro mais crítico e o que levanta maior alerta para o Brasil. O número de aposentados e pensionistas é maior do que o de funcionários na ativa. O resultado pode ser resumido nesta estatística assustadora: o déficit da previdência gaúcha, sozinho, custa mais do que a soma de todos os investimentos em educação, saúde, segurança, infraestrutura, esporte, lazer e cultura.
Por conta disso, o Rio Grande do Sul é o estado que menos investe no país, em relação a sua receita. A situação agrava ainda mais os problemas enfrentados pela própria economia gaúcha e faz do RS o estado que menos cresceu nos últimos 15 anos (dado também decorrente de secas e quebras de safra, já que a agricultura e a indústria ligada a ela correspondem por 1/3 do PIB estadual).
Empurrar o problema com a barriga não adiantou
A explicação para o descontrole nas contas públicas estaduais, que podem até mesmo sofrer uma intervenção federal, está em uma questão mais profunda: trata-se de uma opção política.
Em 2005, a Assembleia Estadual aprovou por ampla maioria a criação de uma lei que permitiria ao governo sacar até 70% dos depósitos judiciais – um fundo onde as partes de um processo depositam um valor que será devolvido quando o juiz decidir o mérito da questão. Em resumo, se você entra na justiça pedindo uma indenização de alguém, a outra parte do processo pode ser obrigada a depositar o valor neste fundo para garantir que você receberá se estiver certo, e o governo aprovou uma lei que o permite pegar parte desse dinheiro para ele.
Durante um período de 6 anos, o fundo servia como recurso de emergência, do qual sacaram-se R$2 bilhões. No período seguinte, quando o petista Tarso Genro assumiu o governo, sacar o dinheiro alheio virou regra. Tarso sacou em 4 anos 270% mais do que os 2 governadores que o antecederam.
Tarso optou politicamente por “não gerar um déficit social”, investindo o dinheiro de empréstimos (junto a bancos como BNDES e BID), em aumentos salariais para funcionários públicos e gastos de custeio. O resultado dessa escolha é fácil de ser observado.
Os depósitos judiciais são remunerados de acordo com a taxa de juros do Banco Central, neste caso, os R$ 7.7 bilhões sacados por Tarso dos depósitos, possuem um custo aproximado de R$ 1 bilhão anuais em juros. Para efeito de comparação, o custo que o saque de Tarso deixa ao governo atual é pouco menor do que o de todo o resto da dívida estadual com a União.
Este ano, em meio a crise que faz do desemprego no país o maior em 5 anos, e o PIB ter uma queda de prováveis 2%, o governo estadual simplesmente quebrou. As receitas do orçamento eram falsas, estavam superestimadas, enquanto as despesas estavam subestimadas.
Para contornar a situação o governo decidiu cortar gastos (medida insuficiente), e provavelmente terminará por aumentar impostos.
Outra medida a ser anunciada em breve é a privatização de algumas das 16 estatais do estado, nas áreas de energia, armazenagem, bancos, mineração, gás natural, saneamento e até mesmo artes gráficas (sim, o governo gaúcho possui uma gráfica!). A única questão a ser encarada neste ponto, trata de uma lei que determina a realização de plebiscitos para aprovação do processo de privatização.
Mas o que há a se observar diante do caos, é a verdadeira natureza do Estado. Os salários de julho terminarão de ser pagos dia 13 de agosto (cerca de 70% dos funcionários terão recebido tudo nesta data), motivo pelo qual o funcionalismo se prepara para uma greve geral.
As lições para o Brasil
O Rio Grande do Sul é o mais perfeito exemplo do como os políticos agem para preservar antes de tudo a si mesmo, deixando a sociedade em segundo plano. Na situação atual, não é raro encontrar aqueles que se referem ao e ex-governador Tarso Genro como “aquele que pelo menos pagava em dia”, numa clara alusão de que a relação com o funcionalismo é o parâmetro a se avaliar um governo. Se o salário dos funcionários públicos está aumentando e em dia, tudo bem, ainda que isso prejudique todos o “resto” dos gaúchos e até mesmo os próprios funcionários no longo prazo.
A conta pode demorar e ser empurrada com a barriga, mas ela sempre chega.
Muitos negam a crise, creditam a situação atual a uma tentativa do atual governador de forçar privatizações, aumentos de impostos e medidas nesta linha, mas a única certeza que podemos ter a respeito é a de que, quando um governo gasta mais do que arrecada, ele vai falir (e tentará levar toda sociedade junto).
A população brasileira é mais jovem que a gaúcha, mas está envelhecendo e as regras da previdência seguem sem fazer o menor sentido econômico, especialmente quando se trata de funcionários públicos. No plano nacional, os cerca de 935 mil aposentados e pensionistas do serviço público geram um déficit anual de R$ 62 bilhões, enquanto os outros 28 milhões de aposentados do INSS geram um déficit que equivale a pouco mais da metade.
Boa parte da classe média brasileira estuda para concursos públicos porque o governo paga bem, dá estabilidade e tudo aquilo que todo mundo conhece, mas a “república dos concurseiros” tem um custo. Quando eu digo que o Brasil não corre o menor risco de dar certo, é por saber que no futuro próximo nenhum político vai querer desarmar essa bomba para não ter que enfrentar o chororô.
Ou o Brasil inteiro aprende que nada que o governo oferece é gratuito e que não dá para ser irresponsável com os gastos públicos, ou a próxima geração de brasileiros entrará no mercado de trabalho tendo que pagar 60% de carga tributária sem receber quase nada de volta. A outra solução é aprovar uma lei revogando a matemática
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