Imagine-se caminhando entre as prateleiras de um mercado, fazendo suas compras habituais e procurando por boas promoções para encher o carrinho. No meio do trajeto, encontra um anúncio: “Não perca! Pague três e leve uma”.
“Absurdo.”, você pensa, e rapidamente conclui: “erraram ao escrever o anúncio”. De fato é absurdo, e de fato estaria errado, a não ser que o anúncio tratasse de armas de fogo no Brasil.
Parece exagero?
Vamos à planilha de custos:
Trata-se de análise bastante simplificada pois estes não são os únicos tributos a incidir na cadeia de produção, comercialização ou importação de uma arma. Toda a legislação tributáriaestá maculada por onerosidades confiscatórias quando o objeto são armas e munições.
Mas como é que isso funciona? Quem inventou este ardil? Quem pode aumentar ou reduzir estes tributos de acordo com o seu próprio interesse? Vamos analisar.
A extrafiscalidade como instrumento impeditivo da defesa
A tributação é uma forma que o Estado tem, prevista na Constituição Federal, de arrecadar recursos para o financiamento de suas atividades. De acordo com o Código Tributário Nacional:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Segundo a teoria tripartite, prevista do mesmo Código, os tributos são os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.
Todavia, nem todo tributo tem a função precípua de arrecadar os recursos necessários ao erário. Alguns deles funcionam como instrumentos da chamada extrafiscalidade tributária. Uma estratégia ardilosa que o ente tributante tem de encorajar ou desencorajar comportamentos, de acordo com o seu próprio interesse.
Impostos como o Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) podem ter suas alíquotas majoradas ou reduzidas diretamente pelo poder executivo, ou seja, sem o processo legislativo tramitar pelas duas casas – Senado e Câmara dos Deputados.
Além disso, o Código Tributário Nacional, prevê que o IPI será um imposto seletivo – e agora as coisas começam a ficar perigosas – incidindo de maneira mais pesada sobre os produtos considerados “menos essenciais” pelo ente tributante. Previsão semelhante existe para o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), que poderá ser seletivo, de acordo com a conveniência do tributante.
Assim, se em um dia de mau humor, a Excelentíssima Senhora Presidente da República Dilma Rousseff resolver que não deseja mais que as pessoas importem calças jeans, basta elevar a alíquota do II até a estratosfera, tornando a importação tão cara, que as pessoas prefiram ficar com as calças jeans nacionais mesmo, ainda que elas fossem – apenas no caso hipotético – de baixíssima qualidade.
Ainda no caso hipotético, vamos imaginar que a Excelentíssima Senhora Presidente da República Dilma Rousseff não quisesse que as pessoas comprassem tablets para acessar a internet e criticar o marco civil. Basta elevar a alíquota do IPI em 30% e, depois de 90 dias, ninguém mais vai poder comprar tablets a não ser que desembolse uma boa grana.
Com base nesses conhecimentos elementares do Direito Tributário e nos nossos exemplos, imagine agora que tivéssemos um Governo que desejasse ver sua população totalmente desarmada, incapaz de resistir a qualquer atentado contra a vida, propriedade, liberdade, segurança ou igualdade.O que é que ele faria? Se você pensou “aumentaria os tributos”, acertou.
Coincidentemente, a tributação de armas e munições no Brasil tem as alíquotas no teto de todos os tributos aplicáveis a sua produção e comercialização. Fazendo uma análise bastante otimista, apenas um terço do valor que é pago em uma arma no Brasil corresponde a arma de fato. Outros dois terços são tributação confiscatória, que objetiva claramente desencorajar o brasileiro a se proteger.
Não para por aí. As pequenas indústrias de armas e munições, por exemplo, são automaticamente excluídas da tributação pelo SIMPLES nacional. Um sistema simplificado e menos oneroso desenvolvido para fomentar as novas indústrias e as pessoas jurídicas de menor faturamento.
A bola de neve aumenta quando observamos as contribuições á seguridade social, as taxas de fiscalização e as exigências descabidas e intermináveis feitas ao setor. O próprio Imposto de Renda de PJ, que não é exclusividade das empresas de armas e não incide sobre a venda ou produção, mas sim sobre o lucro, assim como a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, são enormes e não foram acrescentados ao custo das armas, mas certamente são levados em consideração na precificação das mercadorias ou produtos.
O Estado não quer que você tenha arma. E vai colocar a mão no seu bolso para garantir isso.
Tributação prejudica também militares, policiais, magistrados e auditores-fiscais
Quando as compras de armas e munições são feitas por uma pessoa jurídica de direito público(grosso modo, pela União, pelos Estados ou pelos Municípios), existe uma isenção de tributos chamada imunidade reciproca. Significa dizer que uns não cobram impostos dos outros, deixando tudo baratinho, mas apenas para eles próprios.
Assim, em uma licitação, aquela nossa PT840 do exemplo acima seria vendida no máximo aos 395 dólares a unidade (provavelmente muito menos, pelo ganho de escala).
Mas e quando a compra é feita por uma pessoa física, por um policial, por um oficial das forças armadas ou por qualquer dos chamados “amigos do rei”, previstos nos incisos do Art. 6º do Estatuto do Desarmamento?
Aí não tem moleza. Vale o preço integral.
Imagine um Soldado da Policia Militar, recém investido no cargo e recebendo o piso da categoria. Se ele desejar adquirir uma arma particular, deverá desembolsar o equivalente a mais de um mês inteiro de trabalho, dependendo da Unidade da Federação.
Em um país com a renda per capita mensal de pouco mais de 900 dólares, uma arma que poderia custar 395 dólares é vendida a 1.162 dólares.
Externalidades negativas
Além de impedir o exercício da profissão dos policiais e militares, a tributação desmedida obviamente incentiva o mercado negro.
Em nenhum dos 10 países com os quais o Brasil faz fronteira as armas custam tão caro. Parece razoável supor que aqueles que tenham a intenção de se defender considerem a hipótese de comprar suas armas do outro lado da fronteira. Imagine então aqueles que querem usar as armas para praticar crimes. Vão pagar “barato”.
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