Foi Nelson Rodrigues quem cunhou a máxima de que “no Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio”. Segundo reza a lenda, a velha fama do Maior do Mundo é fruto da reação da torcida carioca ao anúncio da morte do ex-presidente Castelo Branco, durante uma peleja em 1967. As vaias se tornaram a coroa de flores ofertada pela grande massa ao Marechal. Nelson registrou a máxima num artigo no Globo, em 28 de janeiro de 1970, questionando o fato do general Emílio Garrastazzu Médici não ter sido vaiado num jogo no Morumbi.
- É preciso não esquecer o que houve nas ruas de São Paulo e dentro do Morumbi. No Estádio Mário Filho, ex-Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio, e, como dizia o outro, vaia-se até mulher nua. Vi o Morumbi lotado, aplaudindo o presidente Garrastazu. Antes do jogo e depois do jogo, o aplauso das ruas. Eu queria ouvir um assobio, sentir um foco de vaia. Só palmas. E eu me perguntava: “E as vaias? Onde estão as vaias?”. Estavam espantosamente mudas.
Mas as vaias não nasceram com o Marechal. De acordo com o historiador Aureliano Leite, o impopular Campos Sales, que governou o país de 1898 a 1902, era vaiado toda vez que seu nome era anunciado pela estação de trem, quando voltava à sua cidade natal. Graças à política de ajuste financeiro, Sales não deixou de ser vaiado nem quando deixou a presidência.
Artur Bernardes foi outro que passou por maus bocados. Em certa ocasião, recebeu acaloradas vaias e gritos de “Seu Mé” – apelido que detestava – ao passar pela Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Segundo consta, atribuiu a hostilidade do povo carioca contra ele à “canalha das ruas”. Vale lembrar que Bernardes, nascido em Minas, foi eleito presidente ao derrotar Nilo Peçanha, nascido no Rio, em 1922, na provável eleição mais disputada da República Velha. “Ai, seu Mé!” e “Canalha das Ruas” se tornaram marchinhas na bucólica Cidade Maravilhosa da década de 20. A vaia presidencial virou folia.
Getúlio Vargas não deixou por menos. Em 1954, poucos meses antes de cometer suicídio, durante as comemorações do quarto centenário de São Paulo, recebeu uma vaia monumental no Jockey Club paulistano. Foram 15 minutos intermináveis, ao lado do governador do estado, Lucas Nogueira Garcez. Segundo o relato do historiador Fernando Jorge, Vargas virou-se para o então Ministro da Justiça, Tancredo Neves, e cochichou:
- Não sabia que o Garcez era tão impopular.
Vargas soube rir de si mesmo.
Poucas décadas depois, em novembro de 1979, foi a vez do então presidente Figueiredo passar pelo momento mais tenso da história das vaias presidenciais. Figueiredo foi recepcionado em Florianópolis por uma manifestação com cerca de 4 mil estudantes, organizada pelo DCE da Universidade Federal de Santa Catarina. Era um dos momentos mais tensos do período militar brasileiro e o General foi vaiado dos pés à cabeça. Choveram paus, pedras e latas de cerveja. Figueiredo disse ter ficado ofendido particularmente “com os palavrões contra a minha honra e a honra de minha mãe” e precisou ser contido por seguranças para não sair no braço com os manifestantes. Choveu cacetete policial pra tudo quanto é lado. A cena entrou para os livros de história conhecida como Novembrada. A vaia era então uma aliada no combate à Ditadura.
Nem Fernando Henrique Cardoso escapou, vaiado ao menos em três oportunidades distintas. Numa ocasião, em Uberaba, FHC foi acalentado pelo então governador de Minas, Hélio Garcia, que adaptou Nelson Rodrigues em bom mineirês e proclamou triunfante:
- Em Uberaba, os meninos vaiam até boi premiado.
As vaias, por fim, perseguiram Luis Inácio. Vaiado seis vezes na cerimônia de abertura do Pan-Americano do Rio, em 2007, Lula simplesmente desistiu de fazer a declaração habitual de abertura, como exigia o protocolo, e foi substituído no último respiro da cerimônia pelo presidente do comitê organizador, Carlos Arthur Nuzman. Lula, no alto de sua covardia, foi o grande protagonista no fiasco continental da noite.
Mas sua sucessora não deixou por menos. Dilma, que já havia sido vaiada na abertura da Copa das Confederações, no ano passado, adicionou um novo capítulo à história das vaias presidenciais, na abertura da Copa do Mundo – mesmo fugindo do discurso oficial, na primeira Copa em décadas não aberta oficialmente pelo chefe de estado do país sede. Foi o caos. Para Lula, as vaias foram “a maior vergonha que o país já viveu”. Para os críticos – que há alguns meses insistiam no caráter popular da Copa – tudo não passou dos delírios de uma elite raivosa paulistana. Gilberto Carvalho, Secretário-Geral da Presidência da República, fez a egípcia e disse que as vaias não foram diretamente para Dilma, mas para “qualquer autoridade”. Em ano de eleição todos foram culpados – incivis, golpistas, mal educados, reacionários. Menos Dilma. Juca Kfouri, homem branco da elite paulistana, culpou a elite branca paulistana. Os blogs progressistas condenaram a atenção que a mídia deu ao barulho ensurdecedor. Os carolas se indignaram com os palavrões sendo gritados em pleno estádio de futebol, vejam só. Logo, rolou um buchicho de que tudo partiu da área VIP do estádio. Como foram as 40 mil vozes VIPs e reacionárias no Festival João Rock, há pouco mais de duas semanas. Dilma era apenas uma pobre vítima disso tudo.
A vaia é uma ferramenta de indignação popular presente nos mais diversos momentos da nossa história republicana. Perseguiu as mais distintas lideranças, foi um dos raros instrumentos no combate aos governos mais repressivos. Na Copa do Mundo mais superfaturada da história do futebol mundial, não vaiar a autoridade presidencial que sequer teve coragem de prestar contas para o público presente, seria um ato incivil. Dilma fez por merecer. Vida longa à vaia.
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